domingo, 19 de agosto de 2012

GUSTAVO CORÇÃO

"Como atrás já dissemos, o termo cientificismo não designa o maior incremento de pesquisas nem o maior ardor de estudo nos domínios das ciências naturais. Tudo isto, em si, é bom. O que não é bom é o estado de espírito que coloca a ciência da natureza na presidência de uma civilização, depois da expulsão da Sabedoria.

Uma vez que a inteligência não alcança as coisas superiores — diz o homem moderno — apliquemo-la no trabalho de apalpar o fenómeno para deles tirar uma nova confiança em nós mesmos, e para ordenhar a nosso gosto a imensa mãe telúrica, brutal, que às vezes, no seu sono pesado, mata os próprios filhos.

Esse estado de espírito nos primeiros tempos produzirá grande euforia. A humanidade, depois de descobrir a pólvora, o movimento dos astros, a força do vapor, o poder mágico da eletricidade, terá, como teve nos séculos XVII, XVIII, XIX, momentos de inebriado otimismo.

A cândida ideia que logo ocorrerá nos espíritos fracos é a de que, na continuação dos tempos, a Ciência do fenómeno polirá todas as arestas do Velho Homem, iluminará todas as trevas, resolverá todas as dificuldades. Ora, essa ideia, comicamente falsa, extravagantemente, delirantemente falsa foi difundida e tornou-se o ar que respiramos e a água que bebemos, e isto aconteceu porque a Civilização Ocidental moderna já não tinha à sua presidência os dados da antiga Sabedoria. Se a tivesse, ouviria a censura clara e irreputável: a ciência dos elementos exteriores _ dilata o campo do domínio do homem sobre as coisas exteriores e inferiores, mas nada acrescenta ao domínio do homem sobre si mesmo. Uma civilização (...) não pode ser governada pelas ciências da natureza que é cega, surda e consequentemente muda para os problemas mais comuns e mais profundos de nossa vida. Como já disse em outra obra, a ciência pode-nos dizer que nossos pulmões estão anormais e devem ser tratados desta ou daquela maneira, mas é inteiramente incapaz de nos dizer, de nos sugerir o que podemos ou devemos fazer de nossos pulmões normais."

Gustavo Corção - Dois Amores, Duas Cidades

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